Vou escrever um cordel
Pra relembrar meus enlaces
De uma vida sofrida,
Que deixam marcas na face
Mas assim mesmo era boa,
Pois o destino é quem diz.
Hoje só restam saudades
De um tempo em que fui feliz
Falar das modas brejeiras
Das noites enluaradas,
Da cama feita de esteira,
Da pancada da porteira,
Do fogão feito de barro,
Do boi puxando o carro,
Do fogo na capoeira
Lençóis feitos de retalhos
Que minha mãe costurava
De pedaço em pedaço,
Com paciência emendava,
Feitos com muito carinho.
Ficava até bonitinho,
Quando ela terminava.
Nas festas de são joão
Todo mundo se animava.
Comidas de milho verde,
Nesse tempo não faltava,
E as brincadeiras de anel,
Passando de mão em mão
Pra escolher com quem casava.
Falar do homem na roça
Trabalhador sem igual.
Conhece o bem e o mal,
Tem respeito e atitude.
Matuto mas é valente.
Sabe também ser decente,
A ele ninguém ilude.
Falar das beiras de rio
E também do pé de ingá,
Do canto do sabiá
E um tiziu saltitando.
Feijão verde, goiamum,
Caranguejo, jerimum
E um vaqueiro aboiando.
Falar do fogão de lenha,
E da luz do candeeiro,
Carne assando na brasa,
Garrancho de marmeleiro,
Uma fogueira queimando,
Um foguetão estourando
E o toque de um sanfoneiro.
Um cantador entoando
Numa viola afinada,
Versos para sua amada.
Nos acordes da canção,
Lembrança que dói no peito,
Saudade que não tem jeito,
Que aperta no coração.
Um tempo em que todos tinham
O bastante pra viver
Cada um tinha de tudo,
Mesmo sem progresso haver.
Hoje, com tanto progresso
O caso ficou inverso,
E bem pouco se pode ter.
Vou escrever um cordel
Pra relembrar meus enlaces,
De uma vida sofrida,
Que deixam marcas na face,
Mas que assim mesmo era boa,
Pois o destino é quem diz
Hoje só restam saudades
De um tempo em que fui feliz.
José Bento
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